A história de Francisco Gomes da Silva, o Chalaça, é um roteiro de cinema. Filho bastardo do Visconde de Vila Nova da Rainha, foi registrado sem sobrenome e criado por um ourives que acabou ganhando um emprego público na Casa Real.
O jovem Chalaça nasceu em Lisboa e veio com a corte portuguesa fugida de Napoleão, em 1808. No Rio, antes de galgar as esferas do poder imperial e virar braço direito de D. Pedro I, passou a auxiliar o "pai adotivo" na antiga Rua Direita.
Por ter estudado num convento religioso, Chalaça era bem letrado e falava espanhol, francês e inglês. Uma companhia que D. Pedro I adorou para as eternas noitadas no submundo da cidade. O imperador tinha um apetite incontrolável por sexo e Chalaça fazia "o meio de campo" para recrutar as amantes.
O estilo boêmio e conquistador abriu as portas para Chalaça. Em 1810 já circulava no palácio, obtendo a inclusão na lista de criados honorários do Paço. Um ano depois, era nomeado Moço de Reposteiro por D. João.
Em 1812, aos 21 anos, já recebia algumas vantagens por sua atuação em "serviços reservados" prestados ao Príncipe Regente.
Considerando que a corte era um ninho de intrigas entre facções rivais que se espionavam mutuamente, compreende-se que já começava a desenvolver ali algumas das "qualidades" que o tornariam famoso mais tarde.
Tanto que em 1816 já era Juiz da Balança da Casa da Moeda e logo tornava-se o amigo favorito do príncipe D. Pedro, que encontrou no Chalaça o companheiro ideal para farras e escapadas noturnas.
D. João temia sobremaneira as maquinações de sua esposa, D. Carlota Joaquina, razão pela qual mantinha-a sob discreta vigilância. O Chalaça logo teria papel destacado nesse jogo de espionagem familiar, o que lhe garantiu o ódio da "espanhola maldita". A esperta rainha esperava apenas uma chance para derrubar o bastardo insinuante.
E a chance veio em 1817, quando Chalaça cometeu seu maior erro: após denúncia de Carlota Joaquina, foi flagrado pelo próprio D. João numa sala do palácio em companhia da dama do Paço D. Eugênia de Castro, ambos nus e em atitude que não deixava dúvidas. D. João expulsou-o de seu serviço e baixou ordem de que o Chalaça deveria manter-se a uma distância mínima de dez léguas da corte.
E foi-se o Chalaça para Itaguaí, abrigar-se na casa de um vigário conhecido desde os tempos de Santarém, até que a intervenção de seu verdadeiro pai, o Visconde de Vila Nova da Rainha, reabilitou-o junto a D. João VI.
Chalaça, a sombra do Imperador
A insistência de Chalaça em voltar para Portugal com D. João VI desagradou a D. Pedro, que se sentiu traído pelo companheiro de esbórnias. Mas D. João VI também não levou Chalaça em sua comitiva, deixando-o em má situação no Brasil.
Só conseguiu reconquistar a amizade de D. Pedro em 1822, já muito perto dos acontecimentos que levariam à Independência. Como membro da Guarda de Honra de D. Pedro I, passou a tenente em 1823, capitão em 1824 e coronel comandante em 1827.
Chalaça acompanhou o príncipe a São Paulo como uma espécie de secretário particular, e tão bem desincumbiu-se de seu serviço do qual D. Pedro não queria mais prescindir.
Por um lado, Chalaça era dono de caligrafia excelente, dominava várias línguas, escrevia com correção, tinha o pensamento organizado - perfeito administrador. Por outro lado, prestava também outros "servicinhos", como arregimentar belas mulheres.
A mais fascinante de todas surge na vida de D. Pedro exatamente nesta viagem a São Paulo e se chamava Maria Domitila de Castro Canto e Melo, que mais tarde receberia o título de Marquesa de Santos.
É sabido que Domitila teve amores com D. Pedro. Pode ser provável também, conforme aponta Cipriano Barata (e nenhum outro autor) que Domitila e o Chalaça fossem amantes mancomunados para extrair do príncipe o maior lucro.
Teria sido, enfim, um típico caso de ménage à trois. O fato é que, a partir da Independência, a influência do Chalaça junto ao imperador aumentou, o que se traduz em diversos títulos honoríficos e fortuna crescente.
Viveu durante muito tempo numa grande casa na avenida Maracanã, que posteriormente serviu de residência oficial aos Ministros do Exército.
Após a morte da primeira esposa de D. Pedro I, a Imperatriz Leopoldina (uma mulher digna e eternamente traída), Chalaça foi a Paris pedir, em nome do Imperador, a mão da filha do rei Luís Filipe de Orléans, o rei cidadão - escolha que causou escândalo. Um Imperador destrambelhado se fazia representar por um enviado amoral e devasso.
Além do mais, era o alcoviteiro, o oportunista, o intermediário de negócios escusos, o financista, o conselheiro do imperador, que contribuiu para a preservação no poder do Partido Português e para a neutralização de homens públicos como José Bonifácio.
Em 1828 teve um filho, a quem foi dado o mesmo nome, Francisco Gomes da Silva.
Em 25 de abril de 1830 partiu para o Reino das Duas Sicílias como embaixador plenipotenciário do Império. A nomeação fora armada por seus adversários, entre os quais não era figura menor o Marquês de Barbacena, que acabava de trazer da Europa a nova esposa do Imperador.
Na verdade, D. Pedro I, entregue às delícias do segundo casamento em 1830 com a bela D. Amélia de Leuchtenberg, tomou a resolução de o fazer sair com o chamado "Gabinete Secreto", onde figurava ainda outro alcoviteiro e valido, João da Rocha Pinto.
Chalaça jamais voltaria ao Brasil. Na Europa, escreveu três livros (dois deles destinados a prejudicar a imagem de seu inimigo, o Marquês de Barbacena - entre eles A Exposição do Marquez de Barbacena) e um autobiográfico, Memórias oferecidas à nacção brazileira, editado em Londres em 1831.
Acaba sendo chamado a Portugal por D. Pedro, em 1833, para ser secretário de estado da casa de Bragança. Em 1834, morreu D. Pedro, deixando viúva sua segunda esposa, Dona Amélia. Quatro anos depois, em 1838, há o boato estapafúrdio de que o Chalaça casou-se secretamente com Dona Amélia em Berlim e ali passou a viver. Nenhum historiador sério, porém, admite tal hipótese.
Últimos dias
Em 1851, velho e doente, Chalaça faz a partilha de seus bens entre os filhos legítimos e ilegítimos. Mesmo após tantos anos de luxo e ostentação, com dezenas de amantes e viagens de recreio, ainda deixa uma fortuna colossal, quatro vezes maior, por exemplo, do que a de sua oportunista sócia, a Marquesa de Santos.
Na tarde de 30 de dezembro de 1852, o Chalaça morreu em Lisboa, no Hotel Bragança, construído no local do antigo palácio dos Duques de Bragança destruído pelo terremoto de 1755, tendo seu filho e biógrafo registrado-lhe as últimas palavras durante a extrema-unção: "Padre José, eu amei demais as mulheres e o dinheiro".
Fonte: Wikipedia e Biblioteca Nacional
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