Entre os muitos episódios curiosos da vida de D. Pedro de Alcântara, futuro imperador do Brasil, Dom Pedro I, um dos mais singulares envolve uma passagem secreta no Paço Real do Rio de Janeiro, conhecida como “alçapão da Sala dos Pássaros”.
O local, discreto e pouco mencionado nas crônicas oficiais, teve um papel decisivo na vida íntima do jovem príncipe durante sua adolescência no Brasil.
A Sala dos Pássaros
Situada no andar térreo do Paço, a Sala dos Pássaros recebeu esse nome por abrigar mosaicos com desenhos de aves e antigas gaiolas ornamentais, utilizadas para exibir espécies exóticas trazidas de outros domínios portugueses. Com o tempo, o espaço foi esvaziado de sua função original e manteve-se como uma área de circulação secundária, pouco frequentada à noite.
Debaixo de um tapete espesso, escondido no piso de um dos aposentos superiores, havia um alçapão de madeira cuidadosamente disfarçado. Por ele, descia-se a uma escada curta que desembocava diretamente na Sala dos Pássaros e, de lá, em uma porta lateral que dava acesso às ruas do centro do Rio colonial.
As Fugas Noturnas do Príncipe
Segundo os relatos reunidos por Paulo Setúbal em As Maluquices do Imperador, D. Pedro utilizava essa passagem com frequência em 1816, ano marcado pelo falecimento da avó, a rainha D. Maria I. Enquanto o Paço mergulhava no luto oficial, o jovem príncipe, então com 17 anos, escapava pelas madrugadas, vestido com capa preta e chapéu de abas largas, acompanhado apenas de seu criado Plácido Pereira de Abreu.
O destino dessas fugas era o Largo do Rocio (atual Praça Tiradentes), então um importante núcleo cultural e teatral da cidade. Ali morava Noemi, bailarina francesa do Teatro São João, por quem D. Pedro vivia uma intensa paixão juvenil. Para manter os encontros em segredo e evitar a vigilância da corte, o príncipe fazia uso sistemático do alçapão — um recurso engenhoso que lhe permitia transitar entre os protocolos do Paço e a vida boêmia carioca.
Do Amor ao Luto
O romance, contudo, teve um desfecho abrupto. Quando o rei D. João VI tomou conhecimento da relação, ordenou que a bailarina fosse casada às pressas com um tenente da guarda real e enviada para Pernambuco, grávida da filha do príncipe. A criança nasceu e morreu poucos meses depois. O corpo foi embalsamado e trazido ao Rio, onde, segundo a tradição oral registrada por Setúbal, D. Pedro teria decidido esconder o caixão da filha na própria Sala dos Pássaros, utilizando o mesmo alçapão que servira a seus encontros amorosos.
Símbolo de Contradições
O episódio do alçapão sintetiza, de forma simbólica, as duas faces da juventude de D. Pedro no Brasil: de um lado, o herdeiro de uma monarquia transplantada, envolvido em rituais de corte e decisões diplomáticas; de outro, o jovem impetuoso, que vivia paixões intensas, fugia pelas ruas escuras da cidade e mantinha segredos pessoais entre as paredes do Paço.
Esse detalhe, pouco presente nos relatos oficiais, é revelador da atmosfera íntima da corte portuguesa no Rio de Janeiro — onde o cerimonial europeu convivia lado a lado com improvisações tropicais, e onde passagens escondidas podiam ligar um quarto principesco a um sobrado de bailarina francesa.