Jorge José Emiliano dos Santos (1954 - 1995), ou simplesmente Margarida, foi muito mais do que um árbitro: foi uma atração à parte nos gramados.
Com seu jeito irreverente, passinhos coreografados e gestos cheios de personalidade, transformou a figura tradicionalmente sisuda do juiz de futebol em puro carisma e ousadia.
Em uma época em que ser diferente custava caro, Margarida ousou ser ele mesmo — dentro e fora de campo. Assumidamente gay, tornou-se um dos primeiros árbitros profissionais a sair do armário no Brasil, tornando-se símbolo de coragem e resistência em um ambiente ainda marcado pelo preconceito.
Seu estilo inconfundível inspirou até outro árbitro, Clésio Moreira dos Santos, que, em sua homenagem, adotou também o apelido Margarida e seguiu seus passos — ou melhor, seus passinhos.
Do garoto de Copacabana ao ícone do apito
Nascido e criado em Copacabana, Jorge Emiliano aprendeu a arbitrar ainda garoto, assistindo aos jogos na praia e imitando os movimentos de seus ídolos, especialmente o célebre Armando Marques. Aos 13 anos já estava apitando partidas de futebol de areia, e não demorou para que seu talento e estilo começassem a chamar atenção.
Dono de um carisma irresistível, logo extrapolou os limites das quatro linhas e conquistou espaço em programas de TV como "Hebe", "Viva a Noite", "Passa ou Repassa", "Agildo no País das Maravilhas" e "Os Trapalhões". Também foi jurado de programas de auditório e comentarista esportivo em duas rádios.
Sua história virou livro em 2012: "Parada Dura: Memórias de um Juiz Gay do Futebol Carioca", escrito pelos jornalistas Anna Davies e Carlos Nobre.
A carreira que misturava disciplina e espetáculo
Margarida começou sua carreira profissional em 1988, no jogo entre Flamengo e Volta Redonda, no Estádio da Gávea, pela Taça Guanabara. Não foi uma estreia fácil: sua "fisicalidade efeminada" — como definiu a imprensa — atraiu insultos homofóbicos da torcida. Mas ele não se deixou intimidar e, pouco depois, saiu do armário publicamente, afirmando: “Reconheci minha sexualidade para um país preconceituoso, o que é uma coisa difícil de fazer”.
Na mesma época, declarou à revista Placar: “Eu posso ser gay longe do futebol, mas aqui eu sou macho”. Assim, com firmeza e humor, conquistou o respeito de colegas, jogadores e da imprensa, mesmo sendo alvo de preconceitos.
Nem tudo, porém, foi só glamour e coreografias. Em 1989, durante uma partida da Taça Brasil de Futebol Feminino, no Estádio Caio Martins, após ser ofendido por uma jogadora, não conteve a irritação: partiu para a briga e precisou sair de campo às pressas, cercado por jogadoras e dirigentes revoltados. Dias depois, fez o que sabia fazer bem: desarmou a tensão com charme, oferecendo à atleta uma flor e um pedido de desculpas.
A despedida de uma figura inesquecível
A partir de 1992, Margarida começou a enfrentar sérios problemas de saúde. Diagnosticado com Aids, enfrentou também uma tuberculose que comprometeu seus pulmões e reduziu drasticamente seu peso e vigor físico. Apesar disso, em 1994 ainda tentou voltar aos gramados, mas a doença não permitiu.
Faleceu em 21 de fevereiro de 1995, aos 40 anos, no hospital Casa de Portugal, no bairro do Rio Comprido, vítima de insuficiência respiratória. Foi sepultado no Cemitério de São João Batista, em Botafogo, diante de cerca de 80 pessoas, entre amigos e admiradores.
Mesmo após sua morte, Margarida continua sendo uma figura icônica e inspiradora, lembrado por sua irreverência, coragem e contribuição inestimável para quebrar barreiras no futebol brasileiro.