Nem batalhas napoleônicas, nem conspirações políticas: o episódio que mais marcou a saúde de D. João VI durante sua estada no Brasil teve como protagonista um carrapato tropical, encontrado nos jardins da Fazenda de Santa Cruz.
O incidente, que começou como uma simples caminhada ao entardecer, mobilizou cirurgiões, frades e criados em um alvoroço digno de palácio — e deixou o rei mancando solenemente por meses.
Um passeio inocente, um “inimigo” inesperado
Naquela tarde quente, D. João decidiu inspecionar os jardins da propriedade real, uma imensa área rural na Baixada Fluminense usada como retiro da corte. Acompanhado de pajens e religiosos, caminhou entre coqueiros e capinzais altos, admirando a paisagem tropical. Foi ali que um pequeno carrapato se prendeu à sua perna, de forma silenciosa e implacável.
Horas depois, já recolhido aos aposentos, o rei começou a sentir um incômodo crescente. Irritado, rompeu o silêncio do Paço com um grito que correu pelos corredores:
“Há um bicho em mim! Um bicho do inferno!”
Médicos, frades e criados em ação
O chamado mobilizou toda a residência real. Cirurgiões europeus, criados apavorados e até um frade com água benta invadiram o quarto em busca do intruso. Após minuciosa inspeção, localizaram o carrapato preso firmemente à perna régia. A remoção foi feita com pinças improvisadas e pouca delicadeza. O resultado: o corpo do parasita foi arrancado, mas o ferrão ficou cravado, provocando uma inflamação dolorosa.
Como parte do tratamento improvisado, D. João foi levado ao mar para banhar-se nas águas salgadas da Baía de Guanabara, prática até então incomum para ele, que ficou conhecida como seu primeiro banho de mar, com a esperança de curar a infecção provocada pelo ferrão.
Um rei mancando e uma corte rindo
Durante semanas, D. João passou a mancar visivelmente em cerimônias públicas e cortejos oficiais. A situação virou assunto entre nobres, diplomatas e populares. Rapidamente surgiu uma piada que se espalhou pelos corredores do poder:
“Nem Bonaparte o feriu — foi um carrapato tropical que o derrotou.”
O episódio ficou conhecido como “O Carrapato da Fazenda” e entrou para o anedotário da corte luso-brasileira, revelando como pequenos acontecimentos do cotidiano podiam ganhar proporções quase míticas na vida de um monarca em exílio tropical.
Muitos historiadores costumam lembrar esse episódio com um toque de imaginação: se a infecção tivesse se agravado e levado o rei à morte, aquele pequeno carrapato anônimo poderia ter mudado o curso da história luso-brasileira, antecipando desfechos políticos e sucessórios de forma imprevisível.
O caso entrou para o anedotário do período, revelando como um incidente doméstico e banal podia adquirir proporções quase míticas no cotidiano de um monarca europeu vivendo nos trópicos.